Para Coordenador do DIEESE, reforma administrativa destrói serviços públicos e estatais e amplia a privatização
Notícia publicada dia 24/11/2020 14:48
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Em entrevista ao Portal do SINTECT-SP, o Coordenador Técnico do DIEESE Fausto Augusto Jr. denuncia que a PEC 32/2020, a proposta de reforma administrativa do governo, pretende fazer o Estado atuar somente onde o setor privado não puder ou não quiser explorar, invertendo o que determina a Constituição de 1988.
Isso, e outros itens da proposta, escancara a porta para a privatização total dos serviços públicos e estatais.
A proposta também muda a forma de contratação por concurso e favorece a demissão de concursados, projetando um retorno ao clientelismo que foi característica do Estado brasileiro até 88.
Para Fausto, a dependência de econômica externa vai aumentar, na medida em que os setores em que a iniciativa privada não quiser atuar ficarem paralisados.
Esse desmonte dos serviços públicos e estatais vai significar a transferência para o mercado da prestação dos direitos sociais, com enorme prejuízo para a população em geral e acesso garantido somente àqueles que puderem comprar os serviços.
Ele lembra ainda que a PEC 32/2020 afeta os atuais servidores públicos com medidas como o enfraquecimento da estabilidade a partir ampliação da avaliação de desempenho e mudando as garantias de emprego hoje existentes também nas estatais.
Fausto é Coordenador-Técnico do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) da área de Educação e Comunicação, Mestre em Educação e Doutorando pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP) e graduado em Ciências Sociais pela USP.
A seguir, a entrevista:
● Em que aspectos essa PEC desmonta os Serviços Públicos e Estatais?
A proposta de Reforma Administrativa estabelece como princípio da administração pública a subsidiariedade do serviço público à iniciativa privada.
Isso significa que caberá ao Estado atuar somente onde o setor privado não puder ou não quiser explorar. É uma inversão, no que se refere ao provimento dos direitos sociais do que foi estabelecido na Constituição de 1988.
Além disso, ao alterar as formas de contratação e acabar com a estabilidade dos servidores públicos e estatais, vamos assistir um retrocesso na constituição de um Estado com responsabilidade social com sua população, possivelmente retornando ao clientelismo que foi característica do Estado brasileiro até 1988.
● Em que aspectos ela favorece e induz à privatização desses serviços?
A PEC, além da introdução do princípio da subsidiariedade, inclui um novo artigo na CF que autoriza os entes a firmar instrumentos de cooperação com órgãos e entidades, públicos e privados, para a execução de serviços públicos. Este artigo constitucionaliza as diferentes formas de contratação que já precarizam os serviços públicos e deve levar a outros.
● Qual o impacto dessas mudanças para a economia do país?
Estamos em um momento econômico complicado, na qual a questão fiscal está sendo usada para avançar na desestruturação do Estado Brasileiro, como argumento para justificar privatizações.
As diferentes ferramentas construídas ao longo do século XX para o Estado impulsionar o desenvolvimento econômico e social estão sendo desmontadas e transferidas para a iniciativa privada.
Na prática, isto vai significar que onde o setor privado não quiser entrar não iremos atuar enquanto sociedade, o que deve aprofundar nossa condição de economia dependente aos países desenvolvidos.
● E para a população mais carente, os 75% de brasileiros que depende dos serviços públicos e estatais, como saúde, educação e o atendimento dos Correios?
O desmonte dos serviços públicos vai significar a transferência para o mercado dos direitos sociais. Aqueles que puderem comprar no mercado terão acesso, os que não puderem ficarão à mercê da caridade privada ou do próprio Estado.
É uma mudança estrutural do país pactuado na Constituição de 1988, na qual a busca da cidadania passa pela garantia dos direitos civis, políticos e sociais.
A reforma não ataca as desigualdades no setor público e, muito menos, do mercado de trabalho. A retórica de combate a privilégios é uma mentira.
● Quais as principais perdas que a proposta impõe aos Servidores Públicos, e quais atingem também os atuais?
A PEC 32/2020 afeta não somente os futuros, mas também, os atuais servidores públicos. Imediatamente, temos o enfraquecimento da estabilidade, pois a perda do cargo poderá ocorrer após decisão judicial colegiada (em segunda instância, quando ainda há possibilidade de recurso), ou pela avaliação de desempenho, prevista da Constituição, porém, até aqui não regulamentada em lei complementar.
● O governo e o mercado discursam que essa PEC combate privilégios, porque sabem que o cidadão os rejeita. Há algum combate, ou os privilegiados ficaram de fora?
Há uma narrativa sendo construída de que quem tem direitos garantidos, como emprego e renda, é privilegiado. Essa ideia é difundida a partir da naturalização de uma taxa de informalidade que chega próximo a 40% dos trabalhadores e da negação da cidadania a um contingente significativo de nossa população.
A reforma não ataca as desigualdades no setor público e, muito menos, do mercado de trabalho. As cúpulas dos poderes não serão atingidas pela Reforma e pretende-se diferenciar servidores das carreiras “típicas de Estado” dos servidores das atividades que garantem o provimento dos direitos sociais.
Na verdade, a Reforma não irá combater privilégios, mas irá criar novos.
● Governo e mídia empresarial discursam que o mercado é mais eficiente que o governo para gerir serviços e empresas, porque o faz com custos e burocracia menores e produtividade maior. Os serviços privados são mais eficientes que os estatais, ou isso é mito criado para defender o ideário neoliberal?
Esse é um mito que precisa ser desconstruído. Os objetivos da Administração Pública são diferentes do setor privado. Ao Estado cabe a busca do bem comum e a iniciativa privada busca a maximização dos lucros.
As estruturas de gestão e o alcance da política pública são estruturalmente diferentes, maiores e mais complexas que no setor privado. Apesar disso, busca-se vender a ideia de equivalência, inclusive comparando estruturas de excelência do setor privado como gargalos do serviço público. Esse debate não é feito com seriedade, pois se esconde os problemas e as incompetências das empresas privadas e carrega-se a tinta nas deficiências do setor público.